terça-feira, 20 de maio de 2008

Almandrade - Dulcinéia Catadora

O nome Almandrade está associado a uma estratégia singular dentro daquilo que costumamos designar arte contemporânea, artista plástico, poeta e arquiteto, rigoroso, avesso aos modismos, produz como se o fazer artístico tivesse uma ética. Uma obra que se encaminha para uma coisa cada vez mais concisa, enxuta, em direção a uma poética que se expressa com um vocabulário mínimo, seja pictórico ou lingüístico.

Um dos principais nomes da poesia visual, no Brasil, nos anos 70. É dono de um estilo que chega a espantar pela coerência de transitar em diversos suportes, inclusive a palavra, sem perder o rigor e a responsabilidade com a linguagem e o pensamento. - Gilberto Motta

MALABARISMO DAS PEDRAS - Os malabarismos de uma consciência intensamente lírica

A poesia de Almandrade faz-se, antes de tudo, daqueles temas essenciais da condição humana, tão preciosos para os homens do nosso tempo, distanciados da razão de existir. Uma perplexidade em constante estado de nascimento acorda, aos olhos do leitor, uma realidade múltipla e absurda.

Ao lermos os textos do poeta baiano, deparamo-nos com a densidade do real e com todos os seus limites e frustrações: "cidade perplexa/ embalagem hostil/ inútil divertimento".

O eu lírico dos poemas de Almandrade gasta-se nas arestas do mundo, rasga-se nos ângulos dessa realidade limitada, em um viver de raríssimas possibilidades de salvação ou transcendência (encontradas, como veremos a seguir, apenas no erotismo e na epifania da palavra lírica): "O andarilho inocente/ repete o caminho/ sem encontrar/ uma saída". Esse esgotamento das possibilidades do real lembra-nos dos angustiosos labirintos Kafkianos, em que todas as direções nos encaminham, na verdade, para lugar nenhum. O mesmo clima de abafamento, de aprisionamento, entrevisto na ficção de Kafka, pode ser percebido nesses poemas de agudeza existencial. Drummondiano, sem deixar de possuir uma voz própria e peculiar, Almandrade recria, portanto, aquele clima claustrofóbico da poesia do autor itabirano, tão bem expresso pela persona inventada por Drummond, ou seja, o seu famoso José. Essa é uma poesia que, antes de instaurar a segurança, desalenta-nos com as incertezas, com as dúvidas. Já na antiguidade, Sócrates alardeava a importância do questionamento, em detrimento das respostas.

Pois bem, na poesia de Almandrade, temos a mesma sede de indagação, a mesma escavação feita por perguntas que não se findam, que instauram uma perpétua pesquisa do viver: Pensar é / abrir portas, / migrar/ para o desconhecido. Em versos sucintos, verdadeiras farpas de auto-iluminação, o poeta de Malabarismos das Pedras amplia a potência do signo poético, como se a palavra funcionasse como um verdadeiro golpe a acordar o leitor de sua letargia, de seu sedimentado hábito de simplesmente estar no mundo: "Dormir,/ pode ser uma covardia/ diante das circunstâncias/ e suas incertezas". Essa vigília em perene estado de exacerbação, funciona, portanto, como um farol a desmascarar as farsas dessa nossa realidade tão estigmatizada pela mídia e pela ideologia do consumo. Ao lermos Almandrade, sublinhamos, em nosso âmago, a força da consciência e a sua capacidade de detonar as verdades estereotipadas de nossa era pós-moderna. Essa mesma consciência, vibrante, intensa, também vasculha a própria fuga do tempo, e a revela, sem nos poupar e sem nos iludir: "a vida quando vazia/ é um acúmulo de rugas". Somos seres irremediavelmente efêmeros e passageiros e, diante dessa situação existencial, resta-nos somente a epifania da própria poesia, teia a nos interligar a um eterno agora (apenas retido pela memória), momento pulsante, orgiástico e, por isso, intensamente vivo mesmo em face da dissolução do existir: "as coisas retidas na memória/ acariciam a eternidade". É dessa revelação da palavra, feita de som e fúria, que nasce um doce erotismo, um terno desvelo pelo corpo feminino: "Em silêncio/ a intimidade feminina/ acende o mistério/ que faz lembrar/ o aroma dos devaneios/ que transporta/ o fim da tarde". Dessa forma, diante das amarras impostas pelo destino e pela realidade, nasce a iluminação do desejo, energia a latejar o corpo, a incendiar a graça de ser: "Nem mesmo/ a musicalidade dos pelos/ é maior que o apelo/ da cicatriz do nascimento".

A poesia de Almandrade, portanto, recorda-nos o mito de Sísifo. O homem contemporâneo, acossado, muitas vezes, pelo vazio e pela alienação, típicos em um tempo de consumismo desenfreado, está condenado a rolar, em infinitas vezes, uma pedra ao topo de um monte. Todavia, resta a esse homem, ao descer, de mãos vazias, a mesma colina, a visão pródiga de um mar, feito de intenso azul, prazer e glória a saciar-nos com o milagre da poesia: "Agora é dia, o sol queima a letra".

Alexandre Bonafim (Nasceu em Belo Horizonte. É mestre em literatura brasileira, poeta e professor universitário)

A RAZÃO EM COMA
Pobres bibliotecas vazias sem títulos e sem Borges,
O tempo, indiferente ao jogo dos relógios, não é mais dos livros.
O saber é um desconforto de uma civilização que vive ao redor do imediato e humilha a memória.

GEOMETRIA FORA DO LUGAR
A esquina celebra o ângulo.
Possível destino de uma reta: mudar de direção.
A rua possibilita o retorno.
O andarilho inocente repete o caminho sem encontrar uma saída.

CINEMA SEM IMAGENS
O vício castiga múltiplas desventuras estilo transitório... o vazio é o ócio do homem sem memória... sina da indiferença cidade perplexa embalagem hostil inútil divertimento.

INDIGNAÇÃO
Passatempo ordinário... depois a humilhação vem o envelhecimento o repouso é inesperado esterilidade da emoção provável decadência... enfim as incertezas.

MEDITAÇÃO 1
A terra com suas estranhas gargalhadas desperta a impossibilidade.
Uma cidade no escuro.
O futuro é poeira.
Sonho de amanhã que o vento leva além das margens e dos mangues.

MEDITAÇÃO 2
O corpo encontra a fala.
Uma pedra de sal e uma lembrança nas costas.
O pensamento enfraquecido de tanto resistir é um líquido derramado.

RETORNO
O sonho arranca a verdade.
Olhar é ter a tarde remota, aqui.
Um sopro perdido no meio de cálculos,uma experiência desafia o sonâmbulo.
Agora é dia, o sol queima a letra.

Almandrade - poemas do livro MALABARISMO DAS PEDRAS / Atibaia - Sp. EDIÇÃO ARTESANAL DULCINÉIA CATADORA 2007 - tiragem limitada, 32 páginas; contato: dulcineia.catadora@gmail.com

Ainda o mar de Homero habita o céu da história.
Um lance de dados e textos, jogo da literatura.
Pensar é abrir portas, migrar para o desconhecido.
Impossível se achar um limite.

Almandrade (Artista Plástico, Arquiteto, Poeta e Professor de Teoria da Arte Reside em Salvador - Ba)

Dulcinéia Catadora é um coletivo que publica livros de autores novos com capas de papelão pintadas à mão por catadores. Os livros são vendidos por R$5,00. Apóia-se em um tripé: social, artístico e cultural. É um projeto híbrido, transdisciplinar. O projeto derivou do Eloísa Cartonera, um coletivo que iniciou suas atividades na Argentina há quatro anos, reconhecido em vários países por sua atuação artística e social, e convidado para participar da 27ª Bienal de São Paulo. Apresentou-se no pavilhão como uma oficina em funcionamento permanente. Ao grupo argentino somou-se a participação de catadores, filhos de catadores e artistas brasileiros.

Após a Bienal surgiu seu projeto-irmão, Dulcinéia Catadora, que começou a funcionar no Brasil a partir de 2007. Convém falar das premissas do projeto, que casam bem com o tema da Bienal: Como Viver Junto, inspirado por Roland Barthes (em seus cursos ministrados no Collége de France entre 1976 e 1977, escolhido para abordar uma das questões mais prementes da vida pública: como estabelecer uma base de comunicação viável entre grupos e nações que se escutam cada vez menos?

O projeto funda-se na percepção da vida cotidiana como processo criativo. Tem como conceito-pivô a troca, a interação, a ação. Essa ação não é simplesmente um meio de convivialidade, mas uma "ferramenta cognitiva", uma forma de gerar sentido e conteúdo. O coletivo acredita que a convivência entre pessoas com origens, atividades, experiências e visões de mundo diversas, é benéfica e enriquecedora para todos os participantes. Os diálogos transformam o resultado do trabalho. Visa-se à valorização do catador, à inclusão social, abrir novas possibilidades de atividades profissionais, desenvolver seu potencial artístico. Ressalte-se que, antes de gerar renda, as atividades no atelier promovem a auto-estima, a troca de experiências, geram o prazer de criar.

A oficina é um espaço aberto, que procura estabelecer encontros intersubjetivos. (Entenda-se intersubjetividade como a consciência de ambos os lados da experiência perceptiva: de que ela é formada através de técnicas e práticas externas e através das capacidades subjetivas do próprio corpo e do sistema nervoso do observador). O coletivo fundamenta seu trabalho no conceito de estética relacional, de Nicolas Bourriaud.

No entanto, é importante enfatizar que Bourriaud não considera a estética relacional como sendo simplesmente uma teoria da arte interativa. Ele a considera um meio em geral: a arte relacional é vista como uma resposta direta à mudança de uma economia se desde o início do século XX ela fora baseada em bens, a partir das duas últimas décadas do século XX e mais marcadamente no início do século XXI, ela se volta cada vez mais para a economia de serviços. Isto implicaria, na arte, uma preocupação maior com o processo, a atividade desenvolvida com a colaboração do público, ou até pelo próprio público, independentemente, e não mais o produto, o resultado.

Na bienal, foi criada uma Instalação, que se modificou diariamente. É mais que uma instalação. É um lugar de encontros: "Festa" de despedida de integrantes do grupo Eloísa com alguns amigos, trabalhos feitos conjuntamente, comemorações...

Um lugar descontraído. Dessacraliza a obra de arte – é permitido rir, curtir, participar, sentir, mais do que contemplar. O público é incentivado a se expressar, a dançar, mais do que a analisar. Ressalte-se que esse convívio contempla não só a extrema harmonia. Há algo de tensão e antagonismo dentro do conceito defendido por Bourriaud. Há certa ironia, certa postura crítica. A própria reação de parte do público na Bienal, que viu com olhar quase que indignado a participação do Eloísa na Bienal mostra isso. São artistas e críticos formalistas, presos às noções de estética convencionais.

As pessoas podem se sentir desconfortáveis com alguns dos projetos exibidos porque eles operam com um pé no domínio da arte contemporânea e outro no âmbito do chamado "mundo real". Temos de aprender a viver com esse desconforto, que é algo comparável ao final dos anos 1960, quando artistas começaram a desmaterializar o objeto de arte e trabalhar conceitualmente. (Folha, 12 de dez. Claire Bishop entrevista dada a J. Monachesi)

A ação, o processo são aspectos privilegiados; o trabalho mantém-se em fluxo contínuo, cujo significado é elaborado coletivamente. Nesse sentido, dilui-se a noção de obra autoral. A estética relacional não alimenta a utopia de provocar uma mudança social, mas busca apenas encontrar soluções provisórias que funcionam como microtopias no presente (Figural – Lyotard)

A microtopia é o significado político fundamental da estética relacional. Dulcinéia Catadora é o quarto projeto criado na América Latina: além do Eloísa, existe um núcleo no Peru, o Sarita Cartonera, e o Yerba Mala, na Bolívia. Os grupos mantêm contato, e sempre que há interesse os títulos poderão ser traduzidos do português para o espanhol e vice-versa. Essa rede de ação cultural composta por projetos-irmãos possibilita a divulgação dos novos autores por toda a América Latina, trabalhando na contramão do mercado editorial, abrindo seus próprios caminhos paralelos na história da literatura latino-americana.

Em síntese, é um coletivo que faz arte politicamente, o que significa, citando T. Hirschorn: Fazer arte politicamente significa escolher materiais que não intimidam, um formato que não domina, um dispositivo que não seduz. Fazer arte politicamente não é submeter a uma ideologia ou denunciar o sistema, em oposição à chamada "arte política". É trabalhar com a mais plena energia contra o princípio de "qualidade".(Hirschhorn está se referindo à idéia de qualidade defendida por Clement Greenberg, Michael Fried e outros críticos como um critério de julgamento estético.

contato: dulcineia.catadora@gmail.com / 8198 0252
À Venda na: Mercearia S. Pedro, Rua Rodésia, 54 – Vila Madalena. Pe João Gonçalves, 100 – Pinheiros.

Nenhum comentário:

Menina linda, tô aqui...

Menina linda, tô aqui...
respira fundo!

AMOR NÃO É SENTIMENTO

Data estelar: Sol e Vênus em trígono com Netuno; Lua que cresce em Libra será Vazia, das 6h16 às 17h54, horário de Brasília.

Enquanto isso, aqui na Terra, se cada ser humano dedicasse alguns minutos todo dia para tirar o amor da prateleira teórica, aplicando-o de forma prática nos relacionamentos, trabalhos e tarefas cotidianas, a evolução se processaria com velocidade vertiginosa, e o tamanho das desgraças e convulsões diminuiria drasticamente.

O que é praticar amor?

Distribuir energia, que é o contrário de tudo que nossa civilização predatória ensina.

Distribuir energia significa você irradiar influência em vez de recebê-la, prestar serviço ao invés de exigir ajuda, oferecer boas vibrações no lugar de se afetar com as péssimas que circulam por aí, acolher as diferenças em substituição a destacá-las.

Amar não é sentimento, amar é pura ação efetiva que tende à integração.

Quiroga
www.astrologiareal.com.br

No you, it´s 4shared

Mestres da Natureza Humana...

Geo mapa do seio de Gaia

Geo mapa do seio de Gaia
peitos - tetas